Você
estava apaixonado por alguém e levou um
fora.
Acontece mais do que acidente de avião, desastre com romeiros e
incêndio
na floresta. Corações partidos é o grande drama nacional. O que
fazer?
Ainda não lançaram um manual de auto-ajuda que consiga eliminar
nossa
fossa, e dos amigos só podemos esperar uma frase, repetida à
exaustão:
tire esse cara da cabeça. Parece fácil. Mas alguém aí me diga:
como
é que se tira alguém de um lugar tão cheio de mistérios?
Gostar
de
alguém é função do coração, mas esquecer, não. É tarefa da nossa
cabecinha,
que aliás é nossa em termos: tem alguma coisa lá dentro que
age
por conta própria, sem dar satisfação. Quem dera um esforço de
conscientização
resolvesse o assunto: não gosto mais dele, não quero
mais
saber daquele prepotente, desapareça, um, dois e já!
Parece
que
funcionou. Você sai na rua para testar. Sim, você conseguiu: olhou
vitrines,
comeu um sorvete e folheou duas revistas sem derramar uma
única
lágrima. Até que começa a tocar uma música no rádio e desanda a
maionese.
Você não tirou coisa alguma da cabeça, ele ainda está lá,
cantando
baixinho pra você.
Táticas.
Não ficar em casa relendo
cartas
e revendo fotos. Descole uma festa e produza-se para matar. Você
bem
que tenta, mas nada sai como o planejado. Os casais que se beijam ao
seu
lado são como socos no estômago. Você se sente uma retardada na
pista
de dança. Um carinha puxa papo com você e tudo o que ele diz é
comparado
com o que o seu ex diria, com o que o seu ex faria. Chamem o
EccoSalva.
Livros.
Um ótimo hábito, mas em vez de abstrair, você
acha
que tudo o que o escritor escreve é para você em particular, tudo
tem
semelhança com o que você está vivendo, mesmo que você esteja lendo
sobre
a erupção do Vesúvio que soterrou Pompéia.
Viajar.
Quem vai
na
bagagem? Ele. Você fica olhando a paisagem pela janela do ônibus e
só
no que pensa é onde ele estará agora, sem notar que ele está ali
mesmo,
preso na sua mente.
Livrar-se
de uma lembrança é um
processo
lento, impossível de programar. Ninguém consegue tirar alguém
da
cabeça na hora que quer, e às vezes a única solução é inverter o
jogo:
em vez de tentar não pensar na pessoa, esgotar a dor. Permitir-se
recordar,
chorar, ter saudade. Um dia a ferida cicatriza e você, de tão
acostumada
com ela, acaba por esquecê-la. Com fórceps é que a criatura
não
sai.
Martha
Medeiros
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